Tutu






Na abertura da Copa do Mundo da África do Sul, uma figura idolatrada e símbolo de resistência foi ovacionada pela torcida do pais. O seu discurso ainda guarda as mensagens de união e solidariedade. Mas, agora, após 16 anos, a situação na África do Sul está modificada, pois graças a luta de Desmond Tutu e de outros líderes, como Nelson Mandela,  contra o apartheid  - regime segregacionista que perdurou por quase cinco décadas - que  foi  suplantado com uma forte resistência interna dos negros que culminou com a realização das eleições democráticas e multi-raciais, em 1994 [vencida pelo partido anti-apartheid  CNA (Congresso Nacional Africano)].
Bispo da igreja anglicana (foi o primeiro bispo negro na história da África do Sul), na Cidade do Cabo, Tutu, um ferrenho opositor do apartheid, organizou uma série de protestos pelo país e acusou os líderes do regime segregacionista de se comportarem como nazistas. Foi pelo seu ativismo intenso que em 1984 ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Com sua visão crítica e objetiva, afirma que ainda hoje, apesar do fim do apartheid, os negros e brancos ainda não estão devidamente integrados. Um resquício de segregação não oficial ainda permanece no ar. Mas, a festividade de uma Copa do Mundo, na sua opinião, ajuda a aproximar e a unir a população em torno de um bem comum (os Bafana Bafana) e assim, solidificar um espírito de comunhão e pertencimento em torno da nação.   
  





                                                                       "Eu sempre me maravilhei com a linguagem universal do futebol, um esporte
                                                                         que não precisa de tradução" - Desmond Tutu.







Além disso, sediar uma Copa do Mundo, a seu ver, é uma vitória sul-africana, pois o país demonstrou ser capaz de fazer acontecer tal evento. Um fator muito positivo em meio a vários dados negativos que assolam a África do Sul, como: corrupção, baixos índices de desenvolvimento social que são evidentes na violência descontrolada, pobreza extrema, elevado desemprego, alta taxa de Aids, bem como desigualdade de renda. Mas Tutu continua combativo ao denunciar a corrupção (mesmo  a instaurada no próprio partido CNA) e a epidemia de Aids em seu país. Permanece um grande líder e ídolo do povo sul-africano.










Desmond Tutu foi também homenageado musicalmente pelo trompetista Miles Davis. O álbum "Tutu" foi lançado em 1986, em apoio ao grupo anti-segregacionista "Artists United against Apartheid". Um tributo de experiências musicais cujo objetivo foi captar a alma do líder sul-africano com a missão de traduzí-la  em texturas sonoras alegres, densas  e criativas. Como Miles Davis estava na década de 1980, procurou atualizar a sua música ao se utilizar dos mais modernos recursos de engenharia sonora da época, onde se destacavam sintetizadores e baterias eletrônicas usados massivamente no rock,  pop e trilhas sonoras daquela época.    











                                               Capa original do LP. (Site: Hard Format).









Tutu é um disco essencialmente jazz-fusion com uma levada funk. Sua roupagem é bem característica da sonoridade dos  anos 80, com  baterias  eletrônicas programadas, samples e sintetizadores em profusão. Estas características conferem às  faixas uma  atmosfera  musical de seriado americano desta época. Talvez, isto seja um dos pontos fracos do disco, tornando o som um pouco artificial e embolado. Exemplo:  a  ausência de bateria acústica  que foi substituída pela programação de bateria eletrônica. Tanto que só em uma faixa - "Tomaas" - o baterista Omar Hakim (Sting) usa o seu kit acústico. Tal fato pode atrapalhar, mas não tira a qualidade das músicas, que são moldadas por temas criativos e vibrantes e levadas por um trabalho de trompete de bom gosto acompanhado de um baixo virtuose e marcante (com nítidas influências de Jaco Pastorius). O  som do trompete confere, naturalmente, uma aura alegre e  descompromissada de celebração à música.
Esta  característica ligada  à maneira  efusiva de tocar de Miles Davis, que cria temas "ensolarados" musicais de alma jazz-fusion, tornam a obra bem interessante e "viciante". Talvez seja o trabalho mais comercial e acessível do trompetista, mas isso, não significa que seja um disco ruim, longe disso. A temática 80 apenas assusta, mas não compromete.   






                                                                         Contracapa do disco original. (Site: Hard Format)






AS FAIXAS:
/Tutu/ A grande homenagem a Desmond Tutu já abre o disco. O tema principal da faixa é alegre, enfim, um jazz-fusion flamejante e efusivo, tal como o grande líder, que costuma vibrar e se emocionar em seus discursos. Destaque para a conversa animada entre trompete e baixo. A percussão do brasileiro Paulinho da Costa confere ainda mais vivacidade à música.
/Tomaas/ A única faixa em que aparece uma bateria "verdadeira" conduzida por  Omar Hakim.  Um funkão alegre e bem cadenciado, bem no estilo jazz-fusion do Spyro Gyra. Destaque para o trompete inspirado acompanhado por um bonito trabalho de guitarra.
/Portia/ uma bela balada de jazz-fusion instrumental. O trompete deixa a sua marca alegre e acalorada. Como parece que estamos olhando para um céu de brigadeiro ensolarado, o baixo marcante e mais uma vez a percussão vibrante de Paulinho da Costa tratam de afastar qualquer espécie de nuvem. O tema da música é bonito e descompromissado como uma brisa.
/Splatch/ Splash - A Sereia? Não, não! Tudo bem que a faixa guarda as peculiaridades musicais excessivas da década de 1980, como, por exemplo, o som robótico (baterias programadas e sequenciadas) acompanhando um time de instrumentos cadenciado que joga um bolão: trompete (o atacante talentoso), o baixo (meia-armador genial), a bateria programada (o arqueiro grandalhão-muralha sem muita técnica) e o solo  proeminente  de sintetizador (golaço). Resultado do jogo: a vitória de um tema musical alegre, agradável e bem fusion.
/Backyard Ritual/ Um ritual do bem, com um tema alto-astral e inspirado. Faixa arranjada por George Duke que também toca nesta música. A percussão de Paulinho da Costa amplifica a alquimia rítmica desta magia do bem  que dá a mão à cibernética (com a robótica bateria programada).
/Perfect Way/ Funkão divertido-descompromissado, bem anos 80,  mas não perfeito. Traz influências de jazz-fusion encorpadas pela programação de bateria no estilo "Miami Sound Machine". Tema festeiro. Som meio plastificado e embolado (lembra temas de seriados de tv dos 80). Talvez a música menos inspirada da obra. Pelo menos, as "quebradas" na levada da faixa são bem sacadas. Interesante acompanhamento de baixo e teclados.
/Don't Lose Your Mind/ Jazz-fusion impregnado de funk e com pitadas de reggae. Um tema ensolaradamente fusion vai costurando a música em meio a um "cybotron" percussivo que dá uma certa engessada e embolada na faixa. Apesar de tudo, é uma faixa inspirada e com uma levada bem envolvente, que em nenhum momento perde a alma musical. Destaque para o uso de violino elétrico.
/Full Nelson/ Não poderia se esquecer de prestar uma homenagem também a um outro "guerreiro" que teve um papel essencial no combate à política segregacionista sul-africana. O tributo musical faz jus à figura de Nelson Mandela, sendo um ótimo jazz-fusion funkeado com um arranjo programado de percussão. Parece uma música inspirada e instrumental da banda de James Brown. Destaques para a marcação de baixo e guitarra brownianos.




                                                                         Vinil original com o selo da mão. (Site: Hard Format)








COORDENADAS
Miles Davis - Tutu
Ano: 1986
Categoria: Jazz-Fusion
/Músicos/
Miles Davis: Trompete.
Marcus Miller: Baixo e vários outros instrumentos. Autor e arranjador da maioria das faixas.
George Duke: autor e arranjador de "Backyard Ritual". Toca trompete nesta faixa.  
Omar Hakim: bateria e percussão na faixa "Tomaas".
Paulinho da Costa: percussão nas faixas "Tutu", "Portia", "Splatch" e "Backyard Ritual".
Michael Urbaniak: Violino elétrico na música "Don't Lose Your Mind".
Adam Holzman: Solo de sintetizador em "Splatch"
Ponto alto: temas bem inspirados conduzidos por músicos talentosos.
Ponto baixo: excesso de sintetizadores e baterias programadas.
Saldo final: um bom disco de  jazz-fusion funkeado alto-astral da última fase jazzística de Miles Davis.
/Fotos/
Foto de abertura do post: Face 2 do encarte do disco. Autor: Irving Penn (que clicou todas as fotos do disco). Fonte - Site: Hard Format.
Imagem com a tipografia em preto e fundo violeta: Face 1 do encarte do disco. Fonte - Site: Hard Format.
/Fontes de consulta/
Folha de São Paulo: entrevista com Nelson Mandela. / Primeiro caderno do jornal / Seção: entrevista da 2ª (21/06/2010).
Wikipedia.

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