Escolha Individual

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"Individual Choice" é a sexta faixa do álbum de mesmo nome lançado em 1983 pelo violinista Jean-Luc Ponty.
Esta música reflete o novo posicionamento musical de Ponty, ao acrescentar em seu som o que de mais moderno se apresentava em termos de tecnologia sonora no início da década de 1980 (sequenciadores computadorizados, sintetizadores, violinos elétricos sofisticados etc). De certa forma, esta modernização na música instrumental de Ponty ecoa o que estava começando a surgir em escalada exponencial na sociedade ocidental: o início da  avassaladora computadorização como fenômeno social de massa (nas fábricas, nos escritórios, nas casas etc.).
Ainda hoje, ao se ouvir "Individual Choice" com sua saliente instrumentação programada e computadorizada, verifica-se que não está datada, pois sua qualidade e riqueza instrumental e melódica são atemporais. Estas qualidades estão inseridas dentro de uma composição que abarca de maneira criativa  uma série de influências musicais: rock progressivo, música eletrônica, jazz-rock, minimalismo.  Tal caldeirão musical criou uma das  faixas mais consistentes e belas da brilhante carreira do músico, em que a combinação dos instrumentos não cria um  frankenstein cibernético e sim uma marcante e arrojada composição que resistiu intacta ao teste do tempo. 
Nesta faixa, temos a presença de dois músicos: Jean-Luc Ponty (violino, teclados e sintetizadores) e Rayford Griffin (Earth, Wind and Fire) na bateria.
   




    



O videoclip segue a tendência cinemática e moderna da  música e exibe, em  uma edição acelerada  de  imagens em ordem cronológica (time-lapse) do cineasta Louis Schwartzberg,  o transcorrer do tempo e o funcionamento de  duas grandes  metrópoles (com destaque para Chicago)  dentro de dois dias inteiros (do amanhecer até o anoitecer). Neste contexto, surgem imagens em um ritmo alucinante de espaços, vias e meios de transportes como metrôs, avenidas (apinhadas de carros),  hidrovias, mercadões, shopping centers e bolsas de valores (com a intensa e massiva presença humana). Talvez a mensagem latente  deste videoclip seja a de que a humanidade está se desenvolvendo a passos largos e velozes e que no meio do grande redemoinho moderno e tecnológico de ofertas e alternativas  há possibilidades de escolhas  [podemos usar os transportes públicos como o metrô, navegar pelos rios, além da escolha já mais do que saturada  por andar de carro (na década de 1980, os engarrafamentos nas grandes metrópoles estavam começando a se tornar um estorvo)].


Assista ao videoclip oficial (imagens originais) da faixa "Individual Choice" com a versão ao vivo da música [que ganha um corpo mais rockeiro e enxuto (sem recorrer a toda a parafernália high tech de estúdio)] gravada no Arie Crown Theater em Chicago:
/Individual Choice/ http://www.youtube.com/watch?v=LMW1E8TT3oY    







          O transcorrer do tempo em uma grande metrópole, no período de um dia.  (Site: Sawse).









Este videoclip é um reflexo da sociedade moderna em que o ato acelerado de se viver se torna  sinônimo de dinamismo e eficácia (se contrapondo ao ciclo temporal da natureza), como também o excesso passa a ser um padrão considerado normal nesta sociedade tecnológica pós-industrial: produção massiva de carros que entopem as vias públicas gerando trânsito caótico e elevando consideravelmente a poluição nas grandes metrópoles, a busca desenfreada e desmedida  por altos lucros pelos bancos e empresas, a devastação  criminosa em larga escala  de matas nativas pela agricultura tradicional e a transgênica, a  pesca e  a caça  desenfreadas, que geram o lamentável aumento da lista de espécies animais ameaçadas de extinção. Um outro grave problema é o inchaço das grandes metrópoles com um crescimento imobiliário desordenado e nada autossustentável que não se integra harmonicamente com o entorno original (a área verde é dizimada e substituída por uma muralha de concreto que contribui para o aumento do efeito estufa e dos grandes alagamentos de bairros em temporadas de chuvas). O mote capitalista de "lucro imediato" - dirigido pela mão invisível do mercado (grandes bancos e corporações com o auxílio de governos coniventes com este capitalismo irresponsável) - é em grande parte o gestor da escalada de guerras pelo mundo, do aumento da poluição, da fabricação em larga escala de produtos nocivos para os consumidores, da derrocada econômica atual (com especulações criminosas), da destruição de ecossistemas etc. Uma sociedade em que o "ser" é substituído pelo "ter", gerando um total desequilíbrio nas mentes dos indivíduos que consequentemente irá afetar negativamente a vida como um todo no Planeta Terra.


 





             Carros, casas, ruas iluminadas e pouquíssimas árvores!  (Site: Crossland). 
 




É patente que o desenvolvimento da sociedade tecnológica pós-industrial possui os seus fatores positivos: o avanço de técnicas e processos  da ciência, informática, administração, arquitetura, engenharia que  quando bem empregados salvam vidas (descoberta da cura de doenças), ajudam o meio-ambiente (como a miniaturização e exclusão de elementos tóxicos dos produtos informatizados).  No entanto, o problema é  como estes fatores  são  utilizados.  As aplicações negativas destes diferenciais movidos pela  ganância por lucro a qualquer custo via subprodutos  [alimentos transgênicos,  produtos tóxicos,  produtos fossilizados em combustão...]  acabam por afetar drasticamente o meio-ambiente, com reflexo em ecossistemas deteriorados e outros ameaçados e a desregulação dos sistemas de equilíbrio terrestre (correntes marítimas e ciclos naturais dos ventos).
  











Mal-civilizados? Este é o título do excelente trabalho lançado por Jean-Luc Ponty, em 1980 (três anos antes de "Individual Choice").
Um dos melhores trabalhos do artista que mescla com inspiração diversos gêneros sonoros (jazz-fusion, progressivo e funk) em uma viagem instrumental lírica e de alerta para a preservação da natureza, com destaque para as excelentes músicas: "Demagomania" [abre o disco com consistência e sofisticação (lembra o melhor das faixas instrumentais do Alan Parsons)]. Na sequência, "In Case We Survive", o destaque vai para um tema instrumental acústico inicial que remete à pergunta do título da faixa e para a transformação da música em um jazz-rock robusto. Já em "Peace Crusaders", o lirismo em tom positivo alça vôo alto (com o belo trabalho guitarrístico de Joaquin Lievano e o solo de teclado em cascata de Chris Rhyne),  transformando esta música em uma das mais intensas e agradáveis do disco. Encerrando o disco, temos a poética e dramática balada acústica "Once a Blue Planet", uma faixa, sem dúvida, distópica e melancólica.
A capa de "Civilized Evil" também vale mencionar por seu desenho interessante que mistura surrealismo com ficção-científica (talvez uma metáfora de um indivíduo acorrentado e embrutecido por um sistema controlador e opressor que lhe tira a individualidade e o transforma em um mero seguidor de ordens e rótulos). 

Ouça a épica e marcante faixa (em clima de jam session) que abre o disco "Civilized Evil" com categoria, em uma versão ao vivo, no Palácio das Convenções do Anhembi - São Paulo (1981):








                                                                          22 de setembro de 2010: Dia Mundial sem carro na cidade de SP. 
                                                                                               (Foto - Site: Cosmo)








A falta de civilidade social aparece fortemente no trânsito das grandes metrópoles. 
São Paulo é um exemplo de cidade em que o seu planejamento viário é estritamente voltado para  o uso do carro.  A extensão de sua malha  metroviária (68,80 km) é drasticamente inferior em comparação com a de Paris (213 km), e as obras de ampliação das linhas de metrô sempre foram adiadas por décadas. Quando saíram do papel para a execução [obras de ampliações de algumas linhas nos últimos anos (exemplo: Centro-Vila Sônia)], estruturas construídas desabaram matando pessoas [foi comprovado que o consórcio de construtoras  não tomou as medidas corretas de segurança  com relação ao reforço estrutural do que já estava construído (leia-se: economizaram com material e o resultado foi  que a "casa caiu")].
Infelizmente, as outras possibilidades de transporte na cidade são  insidiosamente abandonadas. Por exemplo, não existe uma ciclovia  que interligue a cidade (é impossível ir de bicicleta do Butantã até o centro da cidade sem um alto risco de ser atropelado, pois o ciclista não tem um espaço seguro onde possa andar). As ciclovias que o poder público diz existir são, na verdade, pequenos trechos próximos de parques que não resolvem em nada a vida do ciclista (meras intervenções "cosméticas").
A experiência de  andar a pé em São Paulo é outro martírio que confere sensação de mal-estar pelo fato de  a cidade não trazer acolhimento ao indivíduo, que fica preso nas ruas e avenidas poluídas repletas de carro (os lugares de se "estar" são pouquíssimos: apenas alguns parques). 
Pelo menos, os corredores de ônibus espalhados pela cidade são eficazes para quem usa este meio de transporte.
Mas o descaso com o transporte público permanece: não adianta fazer mais obras voltadas única e exclusivamente para carros, como: ampliação e construção de novas faixas nas marginais, viadutos, túneis etc. Isto porque o modelo lucrativo voltado para fabricação de carros já está mais do que saturado. Com mais 8.500 veículos novos  lançados por dia  nas já entupidas vias da cidade de São Paulo, estas construções feitas  para desanuviar o trânsito estarão congestionadas num futuro próximo.       
Quais as soluções para este imbróglio? Vários paulistanos já estão procurando resolver o problema: muitas pessoas vão a pé até  o trabalho (quando moram perto dele), outras caminham de sua casa até pontos comerciais próximos (padarias, supermercados etc.) e um número crescente de cidadãos faz a junção bicicleta-metrô em seu trajeto (tanto que o número de bicicletas alugadas aumentou nos últimos anos). Há também outras soluções simples e cidadãs para desafogar o trânsito: respeitar o rodízio e procurar dar carona para pessoas conhecidas que fazem o mesmo itinerário (procurando substituir a imagem mais que usual de uma pessoa por carro). Sem dúvida, são ações individuais voltadas para o coletivo que fazem a diferença  para diminuir o inchaço do trânsito e  a  poluição. Mas é fundamental que o poder público também se envolva e que tenha uma plataforma planejada e funcional com  alternativas mais  eficazes e limpas ao  modelo de uso de  carro no trânsito (daí a importância de se votar em candidatos que sejam autenticamente preocupados com a qualidade de vida e a autossustentabilidade).   











E uma realidade sem carros? Será que é possível imaginar?
O cinema já imaginou e o resultado está mais para distopia, apocalipse, cataclismo ou horários inusitados livres de congestionamentos (como a imagem de uma avenida de grande movimento, da cidade de São Paulo, em plena madrugada. Esta cena aparece  no  filme "Linha de Passe") do que para uma vida harmônica, ecológica e equilibrada com alternativas funcionais e não poluentes ao meio ambiente.







         Onde estão as pessoas? A maioria virou zumbi no  filme "Eu Sou a Lenda"  (Foto:  Site - Movie Goods).








         Londres completamente vazia!  Culpa, outra vez , dos humanos que viraram zumbis!  Filme: Extermínio








         O minhocão pra lá de sinistro  no filme  "Ensaio sobre a Cegueira".  Aqui as pessoas não viram zumbis, mas ficam cegas.    







Será que não há uma realidade sem carros que não traga penitências e sofrimentos?
Mas que proponha uma reflexão otimista e construtiva?



         Imagem de ausência que aparece no videoclip "Running on Empty" de Ross Ching.




Esta proposta está presente no "Projeto Running on Empty" do fotógrafo e cinegrafista Ross Ching. Estressado e entediado de ficar inúmeras vezes confinado no trânsito enlouquecedor de Los Angeles, ele resolveu embarcar em um projeto que mostrasse as principais vias desta metrópole completamente vazias  (sem a presença das pessoas e de veículos em movimento).











Então, criou um vídeo que nos transporta a um cenário impactante livre da presença humana e que nos faz refletir sobre o absurdo e distorções de certas situações (como os congestionamentos provocados por carros). O efeito é pertubador e chocante, pois nos faz contestar certos padrões de vida baseados em  modelos já esgotados que trazem impactos nocivos ao meio ambiente e também danos à saúde física e emocional dos indivíduos. 
Este vídeo é inspirado na técnica de filmagem chamada "time-lapse" que mostra o transcorrer de um dia através de imagens aceleradas (a mesma técnica utilizada pelo cineasta Louis Schwartzberg no videoclip "Individual Choice" de Jean-Luc Ponty). Também o artista teve como influência as fotos do ativista Matt Logue, que mostram vários pontos da cidade de Los Angeles completamente desertos na série intitulada "Los Angeles Vazia".
Repare na foto de Logue (acima), o efeito de contraste entre a natureza (céu cheio de nuvens, algumas árvores próximas das vias) e a selva de pedra de Los Angeles. 
Segundo Matt Logue, o objetivo de suas fotos é suscitar algumas dúvidas relevantes sobre modelos dos quais nos tornamos completamente dependentes: "Se os carros sumissem, qual seria a reação das pessoas?" e "Como o meio ambiente responderia?".







       Qual o nome deste filme de ficção-científica? Se esta foto de Matt Logue fosse um filme, o nome seria "L.A. Vazia".




O artista Ross Ching  tirou fotos de cenários em  que não  apareciam veículos e pessoas na cidade de Los Angeles e editou os fotogramas em que apareciam poucos carros. Na criação do videoclip, usou a técnica de edição time-lapse (método que filma movimentos lentos com o uso de várias fotos, que quando são colocadas na velocidade padrão de um filme, a imagem se torna acelerada). O resultado é um vídeo surreal, que remete à realidade de uma cidade sem a  ruidosa presença humana. A trilha sonora é  a música  "No Suprises" da banda Radiohead.
/Assista ao vídeo "Running on Empty"/ http://www.youtube.com/watch?v=OouOM3ChmIY



O videoclip de  Ching  procura despertar a  atenção dos espectadores para dois pilares essenciais ligados à preservação do  Planeta, conforme sustenta o manifesto "Carta da Terra": Integridade Ecológica e Respeito aos Direitos Humanos Universais.
A mensagem do vídeo  nos faz  elencar pontos de mudança essenciais, como: quais são as alternativas viáveis e positivas que podem ser mais utilizadas, ampliadas e  aperfeiçoadas como alternativa aos carros e aquelas que são passíveis de serem criadas e desenvolvidas como meios plausíveis de substituição. Uma escolha consciente e individual  já faz a diferença, visto que somos uma sociedade global interligada.

















COORDENADAS  
/Imagem de Abertura/ Foto da contracapa do disco "Civilized Evil" de Jean-Luc Ponty.
/Imagem dos "arames" brancos de luz/ City Lights Abstracts - Steve Somerville.
/Desenho do ciclista/ Blog do Sargento Tavares.
/Site do músico Jean-Luc Ponty/ www.ponty.com
/Link do Projeto Running on Time do artista Ross Ching/ www.rossching.com/running-on-empty
/Link do Projeto Empty L.A. do artista Matt Logue/ www.mlogue.com/p586914549